terça-feira, 13 de março de 2018

Respostas padrões aos ditos “crentes” - 2



Um exemplo da argumentação muito infeliz de teístas quando tentam usar o que não entendem de teorias científicas e suas afirmações para sustentar o que pensam ser o ateísmo.


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O Jesus "mítico" sequer é tratado pela História, nem lhe interessa.

Notemos que o que seja o universo circundante ao fenômeno de um personagem de nome Jesus, o cristianismo, é sim um objeto de História, tanto que temos uma “História das Religiões”, e mais especificamente, uma “História do Cristianismo”. Mas aqui, vale didaticamente, novamente, uma metáfora. A Zoologia não estuda unicórnios, mas é perfeitamente possível uma tese em História da Cultura, da Literatura, da Mitologia com o título, digamos “O mito dos unicórnios na mitologia e consequente literatura indo-europeia.” Não há conceito humano, real ou completamente abstrato, imaginário, que não seja passível de estudo e até de construção de ciência (num sentido menor do termo ciência, sejamos exatos.

Em suma, o estudo do cristianismo não é propriamente o estudo histórico de um homem chamado Jesus (nem poderia ser), como o é para o estudo do Helenismo o estudo da vida de Alexandre, ainda que permeada de interessantes eventos míticos, mas o estudo dos homens no processo no tempo em torno de um conjunto de ideias que inclui a descrição e discursos de um homem que se afirma como sendo, por nome, Jesus (como seria o Helenismo com a influência do gigante personagem histórico que foi Alexandre). Daí a moderação dos textos históricos acadêmicos e sérios, mesmo em divulgação, em relação a quem tenha sido Jesus.

Mas quem é o Jesus “mítico”, que pelo próprio termo, jamais poderia ser tratado pela história, ainda que não houvesse qualquer dúvida sobre um Jesus histórico, mesmo sem qualquer evidência de seu corpo, o que valeria para um colosso da história como Alexandre?

É o Jesus que andou sobre as águas, transformou água em vinho etc, e para a História, descrições de milagres, o sobrenatural, passam pelos filtros do problema da demarcação e pela argumentação dos milagres de Hume.

Não é que se negue que tais milagres tenham acontecido. É que eles não podem ser considerados como fundamento da existência de um personagem histórico.

A histórica do nó Górdio e Alexandre, que tem um certo fundamento filosófico, pode ser completamente falsa, até diríamos m´pitica, mas ali nada há de sobrenatural. O seu encontro com Diógenes, idem, mas nada aí há de miraculoso. Não sendo dois fatos de importância histórica como qualquer uma de suas batalhas, são colocados em sua biografia quase como curiosidades, como aspecto cultural do personagem. Não são fundamentos de sua comprovada existência. Alexandre não fez o nó se romper por imposição de suas mãos, não fez Diógenes ressuscitar dos mortos.


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Ter existido Jesus, mesmo o mítico, ou mesmo existir uma divindade consciente não implica em o universo ter surgido como afirma a Física, que jamais afirmou que ele tenha surgido de um "nada absoluto".

Um representação artística de uma cosmologia com “bounce” - Comparing cosmologies: theorists debate the “big bounce” - insidetheperimeter.ca


Digamos que tenha existido sem dúvida nenhuma o Jesus histórico, como por exemplo, através de comprovação pelos autos de seu julgamento em Jerusalém em documentos do Império Romano. Podemos até somar o Jesus mítico, e pouco interessaria como poderia se comprovar algo do tipo.

Digamos que existisse uma demonstração inequívoca da existência de uma divindade consciente criadora do “tudo-que-existe”.

Deixemos bem claro: tal demonstração não existe e não pode ser construída.

Uma demonstração de inexistência também é inconstruível, e caímos no problema do “bule de Russel”. Retornaremos este ponto detalhadamente adiante.

Aqui, não há escape tanto de um lado como do outro, mas nossa hipótese será útil ao que apresentaremos.

A história do universo (que não é propriamente o “tudo-que-existe”), pela Cosmologia (modelos) e Astronomia (evidências observacionais), apresenta com altíssima confiabilidade sua evolução no tempo, sua estruturação (grupos de galáxias, galáxias, etc)), composição, temperatura, densidade, complexidade de estruturas.

Logo, afirmar “existe um deus”, mesmo no rigor dos termos, não é dizer: “não ocorreu o que a Ciência afirma”. Se podemos sustentar isso para afirmações da Ciência sobre o universo inteiro, podemos afirmar o mesmo para qualquer um de seus componentes, como o sistema solar, o planeta Terra, a vida, todas as espécies de seres vivos e qualquer uma das espécies, como sempre, destacadamente, o único ser vivo dito racional em nosso mundo, obviamente o homem.

Disto concluímos que uma afirmação de existência de deus, menos ainda um Jesus ou qualquer personalidade destacada de qualquer religião, não é refutação sequer minimamente plausível para uma afirmação científica.

Sequer Filosofia e Lógica, mesmo a lógica que for entre as diversas, pode refutar uma afirmação científica. A natureza é natural, e aqui não há nenhuma redundância. Ela não é “lógica”, “dialética”, “matemática”, etc. Estas expressões sequer tem sentido, e portanto, a questão religiosa que encontra-se na afirmação que abriu esta divisão deste discurso ao final não tem sentido, pois uma coisa, como vimos, não impede ou impõe a outra.

Agora a questão “nada”.
Podemos abordar esta questão por dois caminhos, o “quântico” (relacionado com afirmações da Mecânica Quântica) e o “relativístico” (relacionado com questões da Teoria da Relatividade).

Pelo lado quântico, fundamentos matemáticos da Mecânica Quântica, fenômenos conhecidos como o efeito Casimir, intimamente ligado ao que sejam as flutuações quânticas do vácuo e partículas virtuais, o que seja a potência de Planck, a produção de par, etc, dão bases para se afirmar que a natureza produz, a partir de um estado fundamental, tudo o que vemos e talvez coisas que ainda nem determinamos o que propriamente sejam, como a matéria escura.

Mas estas afirmações pela Mecânica Quântica, que incluem inclusive observações experimentais mais que consagradas, não afirmam que algo advenha do “nada”, e quando físicos afirmam “o universo do nada”, na verdade, não afirmam o que ao ouvido e olhos leitores do leigo signifique a ausência de todas as coisas.

Mas certas abordagens, como que energia negativa e positiva (a que por aí temos) tenham advindo de uma geração de tal par a partir da ausência de todas as coisas, um passo adiante e mais profundo que a geração de par e o desdobramentos das forças da natureza a partir de uma força primordial, outra abordagem quântica dentro da Cosmologia e da Física mais profunda que trata de fenômenos que sustentam a evolução do universo em seus primeiros estágios, não implica nem que algo como “deus” não exista, pois a questão é metacientífica, filosófica, e não apresenta solução nem negação por aí, nem pode ser negada, como já vimos acima, por afirmações que limitam-se à Filosofia e outros campos como a Lógica, de que o que a Ciência afirma seja falso.

Resumindo: A ciência não afirma propriamente que o universo advenha do “nada”, e quando o far dentro de determinadas questões muito específicas, nada - perdão pelo termo- implica que trata-se de uma “negação de uma divindade”, apenas à Ciência este tema sequer interessa.

Pelo lado relativístico, já nas soluções de Friedmann para as equações de campo de Einstein, berço da Cosmologia, existia a permissão para o que se chama popularmente de Big Bang não ser um ponto inicial, mas um ponto de transição de uma contração (e inicialmente até uma expansão) para uma expansão (ou em determinadas épocas da história da própria Astronomia, uma contração), um ponto de “rebote”, ou, no jargão do rabo, “bounce”.

Expliquemos: com as soluções de Friedmann, ficou claro que o universo, em sua textura espaço-tempo, não poderia estar estático. Ou teria de estar se expandindo ou se contraindo, mas ainda não se sabia, digamos, “para que lado ia nisso”. Com as observações primordiais de Hubble, ficou evidente que estava se expandindo.

Assim também pelo campo relativístico, a afirmação de que o universo teve um tempo passado de absoluta contração num ponto, por si só, já mostra que ele não iniciou do nada, pois exatamente tínhamos toda sua matéria neste ponto, e isso evidentemente não é “nada”, sendo, ainda muito pelo contrário, “tudo” (mesmo com as limitações do que propriamente seja o universo em Cosmologia, conceituação bastante complexa para este texto apenas.

Recomendações de leitura

Potência de Planck - pt.wikipedia.org

Efeito Casimir - pt.wikipedia.org

Produção de Par - pt.wikipedia.org

Equações de campo de Einstein - pt.wikipedia.org

Equações de Friedmann - pt.wikipedia.org

Um Universo a partir do Nada - Lawrence Krauss - YouTube

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